Ergonomia e acidente de trabalho: uma união de sucesso (1/1)
Ergonomista analisando acidente de trabalho?
Você é Ergonomista e está em dúvida de como seria sua participação junto à equipe que atua na prevenção e análise de acidentes de trabalho?
Fique tranquilo! Esse post tem informações valiosas para você que quer saber mais sobre como os conceitos de Ergonomia podem ser usados para contribuir na prevenção e análise de acidentes!
Conceituando acidente de trabalho
Os acidentes de trabalho constituem o principal agravo à saúde dos trabalhadores, sempre gerando elevados custos sociais e econômicos! Mas, apesar de famoso, o conceito de acidente de trabalho ainda não é claro para todos os Ergonomistas e não podíamos começar esse conteúdo sem antes definirmos “o que é acidente de trabalho”.
O art. 19 da Lei nº 8.213/91, define que:
"acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho".
Esse conceito de acidente de trabalho apresentado acima tem relação
com o acidente típico, que é o tipo de acidente mais comum, o qual acontece dentro da corporação durante o horário de expediente, como no caso do trabalhador que escorrega no chão molhado e cai, fraturando o cotovelo, por exemplo.
Existe ainda o
acidente de trajeto, o qual ocorre durante o percurso do trabalhador de sua casa até o local de trabalho, tanto no início e final do expediente quando no horário de almoço. Esse tipo de acidente foi recentemente retirado da contagem de acidente para cálulo do
FAP/SAT/New RAT.
Ainda dentro do conceito de acidente, por expressa determinação legal, existem ainda os
acidentes atípicos, que são os acidentes que ocorrem dentro ou fora da empresa, devido ao exercício do trabalho, que a lei assemelha aos acidentes de trabalho típico.
As doenças profissionais e/ou ocupacionais
equiparam-se a acidentes de trabalho. A mesma lei citada acima explica a
doença profissional, como aquela a ser “produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade”; e a
doença do trabalho, como aquela “adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”.
Dando exemplos claros, a “doença da descompressão” pode ser considerada uma doença profissional típica de mergulhadores que sofrem a descompressão quando sobem de áreas mais profundidades para a superfície, sem o determinado tempo de recuperação ou quando acontece repetidas vezes, sem descanso. Perceba que nesse caso, a doença é bem característica de mergulhadores, não havendo outra profissão que tenha esse tipo de doença tipicamente.
Já a lombalgia pode ser considerada uma doença do trabalho no caso de bancários, num exemplo que eles ficam muito tempo sentados, sem pausa, por exemplo.
Na mesma lei, o art. 21 faz uma equiparação de algumas situações ao acidente de trabalho, tais como:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; ato de pessoa privada do uso da razão; e desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho, quando na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; ou no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
Histórico e Estatísticas
A Equipe ifacilita chama atenção para o dia 28 de abril, como “Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho”.
Instituída a partir de uma iniciativa dos sindicatos canadenses de trabalhadores, a data foi escolhida em razão de um acidente que matou 78 trabalhadores mineiros no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, em 1969.
Em 2003 a Organização Internacional do Trabalho (OIT) destina a data à reflexão sobre a segurança e saúde dos trabalhadores.
No Brasil, a Lei Nº 11.121, de maio de 2005, criou o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho.
A prevenção de Acidentes e das Doenças do Trabalho é algo que se deve buscar a todo momento, em toda as situações, atividades e ambientes, mas a lembrança desse tema numa data específica é importante para as ações realizadas pelas empresas e pelo Governo.
Infelizmente o Brasil é recordista em acidentes de trabalho no mundo, estatística que nos envergonha e nos mostra como
a cultura da prevenção deve estar presente nas corporações, cada vez mais!
Devemos atentar-se para o fato de que apenas quem trabalha como CLT ou quem é autônomo registrado (desse último, são informados apenas os casos de afastamento pelo INSS) tem seus dados de acidentes e mortes oficializados no Brasil. É a partir desse cenário que apresentamos alguns dados que corroboram a importância do tema.
O Brasil é o 3º no mundo em casos absolutos de mortes por acidente de trabalho, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Se levarmos em consideração o número de mortes a cada 100 mil trabalhadores, o Brasil fica em 42º lugar com 2,33 óbitos.
Já nos casos absolutos de acidentes de trabalho não fatais, o Brasil permanece em 5º lugar, atrás de México, Colômbia, Alemanha e França. Se formos considerar o número de acidentes de trabalho não fatais calculado a cada 100 mil trabalhadores, o Brasil vai para a 43ª posição, com 593,79 de acidentados por 100 mil.
O Centro de Informações do Escritório da OIT no Brasil é responsável pela divulgação, no país, das publicações e outros materiais informativos editados pela sede da Organização, agora corroborados pelo
Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho. Alguns dados atualizados dessa base de dados seguem abaixo, sobre acidentes de trabalho e assuntos relacionados.
- Dados do IBGE de 2020 mostram o Brasil com 211,8 milhões de habitantes;
- Em 2020, foram 446,9 mil notificações de acidente de trabalho (CAT);
- Em 2020, foram 1,9 mil óbitos notificados pela CAT;
- Os Estados que mais apresentaram CAT foram SP (35%), MG (11%), RS (9%) e PR (8%)
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=frequenciaAcidentes)
- Considerando 2019/2020, as lesões mais frequentes foram “corte, laceração, ferida contusa, punctura” (20%); “fratura” (17%), “contusão, esmagamento” (13%); “lesão imediata, nic” (11%); e “distensão, torção (8%)”;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Em 2020 foram 2,188 casos de COVID19 cadastrados como acidente do trabalho, com notificação por CAT;
- Para 2019/2020, as partes do corpo mais atingidas nos acidentes foram dedo (24%), pé (exceto artelhos (8%); mão (exceto punhos ou dedos) (7%); e joelho (5%);
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Em 2019/2020, os grupos de agentes causadores de acidentes mais frequentes foram “máquinas e equipamentos” (16%); “agente biológico” (13%), “agente químico” (12%); “queda do mesmo nível” (12%); “veículos de transporte” (11%) e outros menos frequentes;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Ainda em 2019/2020, os agentes causadores mais frequentes foram “motocicleta/motoneta” (8%); “metal” (5%); “veículo” (5%); “agentes infeciosos ou parasitários” (5%); “chão” (4%) e outros menos frequentes;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Se considerarmos as ocupações mais frequentes, temos o técnico de enfermagem (8%), alimentador de linha de produção (6%), faxineiro (4%), e o motorista de caminhão e o servente de obras (ambos com 2%), dentre outros menos frequentes;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Homens de 18 a 24 anos são os que mais geraram notificação, porém de 18 a 44 anos representa a grande parte das notificações por CAT;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Considerando 2019/2020, a quarta-feira (com 310,4 mil CAT´s) durante a semana e o sábado (141,9 mil CAT´s) durante o final de semana são os que mais apresentaram CAT´s. O Carnaval foi o feriado de maior ocorrências de CAT´s (5.9 mil CATs);
- Quando observamos a série histórica, com a evolução dos casos com o passar dos anos, de 2012 a 2020, percebemos que os anos com maior notificação foram os de 2008 e 2009; que houve uma redução entre 2015 e 2017; uma elevação em 2018 e 2019; e que em 2020 houve uma importante redução;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Já o número de óbitos da série histórica, de forma geral, podemos dizer que ele manteve seus números mais altos de 2002 a 2011 e de 2012 em diante vem reduzindo ano a ano;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Um dado que chama a atenção é a estimativa da subnotificação, que mostra um número aparentemente semelhante com o passar dos anos, mas sempre presente;
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=perfilCasosAcidentes)
- Em 2020 foram 72,4 mil benefícios acidentários (B91);
(Imagem retirada e editada: https://smartlabbr.org/sst/localidade/0?dimensao=frequenciaAfastamentos)
Impacto dos acidentes
O impacto dos acidentes na vida da sociedade brasileira são principalmente financeiros e sociais, sobre o Governo, corporações, empregados e suas famílias.
Impactos financeiros
O Observatório de Segurança e Saúde no Trabalhado, de 2012 a 2020 houve uma taxa de mortalidade de 6 óbitos a cada 100 mil vínculos, porém de empregados do mercado formal de trabalho.
A estimativa é que as doenças e os acidentes do trabalho gerem perda no valor de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil a cada ano, com um gasto previdenciário ultrapassando os R$ 100 bilhões, somente com despesas acidentárias pela Previdência Social.
O sociólogo, Prof. Dr. José Pastore estima que os custos sociais e econômicos gerados pelos acidentes de trabalho podem chegar a 10% do PIB (Produto Interno Bruto).
Mas esse não são os únicos custos... Os acidentes e doenças do trabalho causam vários tipos de custos para a sociedade, além desses apresentados pelo observatório:
- Os trabalhadores e os familiares dos acidentados pagam uma grande parte dos custos dos acidentes. Os danos causados ao núcleo familiar são muitos, tais como a redução da renda familiar, interrupção do emprego de outros familiares, gastos com acomodação no domicílio e gastos com saúde e, o mais importante, a dor e o estigma do acidentado ou doente. Se elevarmos a relação de 1:4 para 1:6 (que é bastante conservadora, segundo
o Prof. Dr. José Pastore, isso daria um aumento de custo de aproximadamente R$ 16 bilhões por ano, passando o subtotal para R$ 71 bilhões anuais.
- O brasileiro paga ainda cerca de R$ 800 bilhões de salários (dados da RAIS), sendo quase 9% (os R$ 71 bilhões citados acima) com acidentes e doenças do trabalho. É uma cifra ainda mais estratosférica e que mais do que justifica um esforço adicional de prevenção.
- Esse custo está subestimado porque se refere apenas ao setor formal do mercado de trabalho, que alguns estimam ser a menor parte. O sistema do SUS, que é universal, atende a maioria dos que se acidentam e adoecem, também no mercado informal, cujas despesas correm por conta do Ministério da Saúde e não da Previdência Social.
Impacto sobre o trabalhador
O trabalho é uma das características que diferem o homem do resto dos seres vivos e o acidente de trabalho pode afetar a dignidade da pessoa humana, o seu valor e sua função social. Esse trabalhador está sujeito às lesões, algumas pouco e outras totalmente incapacitantes, tendo o direito de receber benefícios previdenciários e outros valores decorrentes de perdas estéticas e danos morais.
É evidente o impacto dos acidentes de trabalho sobre as saúdes físicas e mental do trabalhador, com real possibilidade de geração de incapacidades temporárias e permanentes, de graus variados, podendo impactar a sua vida e de sua família por toda sua vida.
Impacto sobre a empresa
Os acidentes de trabalho são um fator recorrente nas corporações, o que impacta negativamente na companhia, nos trabalhadores e no clima organizacional como um todo. Dentre os custos das corporações com acidentes de trabalho e adoecimento, há dois tipos:
- Os segurados e os não segurados: os segurados são mais visíveis e é quanto as corporações gastam com seguro de acidentes de trabalho (SAT). Em acidentes mais graves, o Ministério Público do Trabalho, as demais autoridades do governo como a Justiça do Trabalho provenientes ou não de ações sindicais podem gerar custos adicionais à empresa.
- Os não segurados são menos visíveis e mais diluídos, mais difíceis de calcular. Os mais conhecidos são o tempo perdido com a parada do processo pelo acidente/adoecimento; as despesas com os primeiros socorros e outros cuidados de saúde; a manutenção do equipamento ou material de trabalho; a substituição dos trabalhadores envolvidos, com contratação, treinamento e outros gastos; o pagamento de horas-extras para a recuperação da produção; a recuperação dos empregados envolvidos; os salários pagos aos trabalhadores afastados (muitas das vezes); as despesas administrativas gerais; os gastos com saúde e engenharia para reparação do acidente e resolução das causas do acidente; o adicional pago aos trabalhadores que atuam em condições perigosas, seja por adicional, seja por demandar salários mais altos. Um custo que nem sempre é evidente e de difícil cálculo diz respeito à perda de imagem da empresa no mercado em que atua.
Na ausência de dados mais recentes, em 2009, as empresas gastaram cerca de R$ 8,2 bilhões com o pagamento do SAT, gerando uma despesa total de cerca de R$ 41 bilhões naquele ano, o que significa cerca de 5% da folha salarial do país. Impressionante!
Ergonomista, agora você sabe ou relembrou os conceitos ligados aos acidentes de trabalho e conhece as estatísticas e impactos assustadores que eles causam no trabalhador, na corporação e na sociedade.
No próximo post vamos aprofundar ainda mais em como o Ergonomista atua frente aos acidentes de trabalho, mas agora num olhar prático! Vamos dar, inclusive, duas super ferramentas: uma que vai te ajudar a analisar uma situação antes do acidente e a outra para te ajudar a analisar o acidente em si.
Responda no comentário abaixo: você já trabalhou como Ergonomista analisando acidentes de trabalho?
Por fim, não perca e vá logo para o segundo post sobre a série de
Ergonomia nos acidentes de trabalho
Referências:
Lei nº 8.213/91
Centro de Informações da IOT
Centro de Informações do Escritório da OIT no Brasil
Observatório de Segurança e Saúde do Trabalhador
Artigo: “O custo dos acidentes e doenças do trabalho no Brasil” (Prof. Dr. José Pastore)
Livro: Um novo olhar na prevenção de acidentes do trabalho: O Fator Ergonomia (Hudson Couto e Dênis Couto)
Santana VS, Araújo-Filho JB, Albuquerque-Oliveira PR, Barbosa-Branco A. Acidentes de trabalho: custos previdenciários e dias de trabalho perdidos. Rev Saude Publica 2006; 40(6):1004-1012.
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