Nível de evidência dos artigos científicos: você sabe o que isso significa Ergonomista?
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1 - Níveis de evidência dos artigos científicos: por que é importante conhecê-los?

Olá amigx Ergonomista!

Em nosso primeiro post desta série, falamos sobre artigos e revistas científicas e também sobre a importância dessas fontes de conhecimento para a sua prática profissional na Ergonomia.

Nesse conversaremos sobre os níveis de evidência dos artigos científicos. Mas antes, precisamos falar rapidamente sobre desenhos de estudo. O próximo post desta série será todo dedicado à discussão dos diferentes tipos de desenhos de estudo e de como eles se aplicam às pesquisas em Ergonomia. Mas neste momento precisamos entender apenas que, dependendo do que está sendo pesquisado, ou seja, da pergunta que se quer responder, existe a forma correta de realizar a pesquisa. 

Essa forma de realizar a pesquisa recebe o nome de desenho de estudo. É como se fosse o “caminho” que deve ser trilhado pelx pesquisadorx para chegar a uma resposta válida para a sua pergunta. 

Relembrando nossa infância, temos a célebre frase do Gato Listrado para Alice: “para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Então, para saber qual o melhor desenho para uma pesquisa, ou seja, qual o melhor “caminho” a seguir, umx pesquisadorx precisa saber onde quer chegar (no caso, a qual pergunta ele quer responder). Só então poderá escolher o caminho certo a trilhar (no caso, o desenho de estudo que levará à resposta para sua pergunta). Faz todo sentido né?


 
Percebam que acima utilizamos a expressão “resposta válida”. Isso não foi por acaso! É que existem coisas que podem acontecer durante a execução de uma pesquisa e que podem influenciar a validade dos resultados encontrados e/ou as conclusões a que podemos chegar com esses resultados. São os chamados erros metodológicos. Nestes casos, a resposta encontrada ao final do estudo poderá não ser válida! Como assim???

Um exemplo simples seria medir o nível de ruído em uma estação de trabalho utilizando um decibelímetro descalibrado. Ao final da mensuração eu terei um resultado, um número, certo? Mas será que dá para confiar nesse resultado? Acho que não, né? Então vejam: eu tinha uma pergunta (qual o nível de ruído presente nesta estação de trabalho?), escolhi um “caminho” (medir o nível de ruído com um decibelímetro descalibrado) e cheguei a um resultado numérico. Porém, por um erro metodológico (usar um instrumento descalibrado), a resposta que eu tive não é válida. Ou seja, não reflete a realidade do nível de ruído da estação de trabalho. Ficou mais claro agora?

Entre os erros metodológicos mais comuns (e graves) está a escolha errada do desenho de estudo. É como se umx pesquisadorx pegasse “o caminho errado” em direção à resposta para sua pergunta. Ao fazer isso, ele(a) poderá chegar a uma conclusão que não é verdadeira. 

Para contextualizar melhor, imagine-se na seguinte situação: você quer avaliar se a introdução de uma nova máquina está relacionada ao aumento do número de afastamentos de um setor de uma determinada empresa. Para isso, você avalia a produtividade do setor e verifica que houve um aumento da produção após a introdução da nova tecnologia. Você chega à seguinte conclusão: “não há relação entre a compra da nova máquina e o aumento do número de afastamentos neste setor da empresa, uma vez que a produtividade do setor aumentou após a mudança”. 

Será que dá para chegar a essa conclusão somente através da análise de produtividade do setor? Claro que não, né!? Se estivéssemos em um estudo científico, diríamos que o desenho de estudo não está adequado ao objetivo pretendido (uma forma elegante de dizer que você escolheu o jeito errado para responder à sua pergunta). Consequentemente, a conclusão a que você chegou não é válida

E por que eu preciso entender sobre desenhos de estudo para ler um artigo? 

Simples: é porque essa é uma das coisas que devem ser levadas em consideração ao avaliarmos a qualidade de um estudo (falamos mais sobre no próximo post desta série). E se vamos usar uma determinada pesquisa para embasar nosso trabalho, devemos nos preocupar com a qualidade desta pesquisa, certo? Então, se eu entendo minimamente sobre os tipos de desenho de estudo existentes, eu saberei minimamente definir se a conclusão apresentada pelx autorx de um estudo é válida ou não. Legal né?

Você pode estar se perguntando agora: mas e a revisão por pares que foi discutida no post anterior? Ela não representa a “garantia de qualidade” do artigo que estou lendo? Mais ou menos… O processo de revisão por pares, por suas características, aumenta (e muito) a probabilidade de que você esteja lendo um trabalho de qualidade e com conclusões válidas. Porém, por ser um processo feito por pessoas, está sujeito a falhas (isso soa familiar, não é Ergonomista?). Por isso é tão importante que você Ergonomista também saiba avaliar minimamente a qualidade de um artigo: para chegar às suas próprias conclusões. Afinal, conhecimento é poder!


 
Vamos então entender o que é “nível de evidência” e como ele se relaciona com o desenho do estudo.
 
2 - Nível de evidência dos artigos científicos 

Observe a imagem abaixo:

 
Esta pirâmide mostra os principais tipos de desenhos de estudo que você irá encontrar nas revistas científicas, classificados de acordo com o nível de evidência que proporcionam. Mas afinal, o que significa “nível de evidência”? Respondemos: significa a capacidade que um tipo de desenho de estudo tem de demonstrar causa e efeito em humanos. Quanto mais alto o desenho de estudo estiver na pirâmide, maior o nível de evidência que ele pode oferecer quanto à existência ou não de relação entre causa e efeito. Veremos isso com mais detalhes no próximo post desta série. Por ora, peço que só acredite na gente, ok?

À primeira vista, isso pode parecer simples. Intuitivamente, estabelecemos relações de causa e efeito o tempo todo: se eu tive azia, foi por causa daquela empadinha de camarão que comi; se meu time perdeu, foi porque eu não usei minha camisa da sorte durante a transmissão do jogo. Mas será que essas conclusões são verdadeiras? Será que eu levei em conta todos os fatores que poderiam influenciar minha acidez estomacal ou o resultado de um jogo para chegar às minhas conclusões? É evidente que não.

Em ciência não funciona assim. É muito (mas muito) complexo conseguir estabelecer uma relação de causa e efeito em uma pesquisa científica.  Para isso é preciso levar em consideração uma série de fatores intervenientes e controlar o máximo possível as variáveis existentes. Só então poderei chegar a um resultado cuja probabilidade de estar errado é tão, mas tão pequena, que eu posso assumir que uma relação de causa e efeito, de fato, existe (é o famoso p < 0,05, do qual falaremos melhor em um post futuro desta série). 

O nível de controle que a equipe de pesquisa têm sobre os fatores envolvidos em um estudo é um dos principais fatores levados em consideração para a classificação de um desenho de estudo e para sua classificação hierárquica em termos de nível de evidência. Então, para fecharmos o entendimento, fica a mensagem: quanto maior for o nível de controle, maior a probabilidade de verificar a existência de uma relação de causa e efeito e, consequentemente, maior o nível de evidência dos resultados encontrados. Claro que há outros fatores importantes capazes de influenciar a validade dos resultados de uma pesquisa, como o número de pessoas estudadas, instrumentos para coleta de dados, métodos estatísticos utilizados, etc. Mas o nível de controle da equipe de pesquisa sobre as variáveis do estudo tem papel de destaque no estabelecimento de causalidade em ciência.

No próximo post, abordaremos simplificadamente os principais desenhos de estudo e sua relação com a Ergonomia. Até lá, reflita sobre as diferenças entre o estabelecimento de causalidade em ciência e em sua prática profissional como Ergonomista. 

Ficou com alguma dúvida? Deixe nos comentários que teremos o maior prazer em ajudar! E diga também o que está achando deste conteúdo. Isso nos motiva a continuar!

Até breve!

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