A ERGONOMIA COMO FERRAMENTA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE DA MULHER
images

A Ergonomia, como ciência que preocupa-se com o desenho do trabalho, é responsável por adaptar as situações de trabalho a todos os trabalhadores, independente de gênero, raça, idade e etc.

A Ergonomia, quando bem aplicada, favorece a equidade entre os trabalhadores, ou seja, cada trabalhador tem aquilo que precisa para seu trabalho, não precisando de se esforçar além da conta para conseguir desempenhar um bom trabalho.

Nesse contexto da equidade, a participação da mulher no trabalho é algo que causa ainda confusão às organizações, mas óbvio, não por parte delas, mas por parte de quem desenha o trabalho.

O mundo do trabalho naturalmente estimula a condição de igualdade entre os trabalhadores

Escrevemos esse artigo para colocar uma luz em alguns pontos que devem ser observados na hora de planejar ou alterar a situação de trabalho, pensando na igualdade de oportunidades e equidade de necessidades.

Descobrindo uma nova possibilidade

Antigamente, o papel da mulher era limitado ao espaço familiar, cuidando da casa e dos filhos. A evolução sócio-cultural-econômica ampliou esse papel, de forma que as mulheres deixaram o espaço doméstico e se dirigiram para o espaço público.

Essa alteração causou ampliação também na rotina da mulher, gerando a dupla jornada de trabalho. O trabalho doméstico já realizado por essas mulheres, passou a ser complementado pelas rotinas da profissão “fora de casa”.

A nova relação da mulher com esse novo sistema de trabalho traz alterações em toda a sua vida e, consequentemente, na sua saúde. O lazer, a alimentação, as condições de trabalho, a moradia e a renda deram mudanças na saúde da mulher, ao ponto que ela começa a vivenciar essa nova possibilidade.

Porém, esse avanço gera também problemas, como os causados pela discriminação nas relações de trabalho, pela sobrecarga de responsabilidades no trabalho doméstico, por exemplo. 

Uma análise da jornada de trabalho dessas mulheres,  permite identificar o peso que as responsabilidades familiares têm para elas, pois as jornadas de trabalho dos homens têm sido, quase sempre, mais valorizadas do que as delas, independente do tipo de família.

Todo esse cenário aumenta as chances da mulher adoecer.

Em 2003, foi elaborada Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), que mostra um norte de como devem ser direcionados os cuidados com o tema.

Recentemente, houve a extinção do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, o que, de certa forma, reduz a força das lutas em favor da igualdade.

Dados das mulheres

Separamos alguns dados relacionados às mulheres no trabalho, para tentar mostrar um panorama geral da situação delas no mercado de trabalho.

As mulheres:

  • Equivalem a 51,8% da população brasileira;
  • São responsáveis pelo sustento de 37,3% das famílias;
  • Com 15 anos ou mais integravam em menor proporção a força de trabalho no país em 2019 (54,5%), quando comparadas aos homens (73,7%);
  • Vivem mais do que os homens, porém adoecem com mais frequência;
  • As mulheres recebem 12% mais auxílios doenças acidentários quando comparadas aos homens;
  • Tem aumentado sua participação no mundo do trabalho e garantido com isso autonomia econômica, sendo que, essa inserção, não refletiu na redução significativa das desigualdades;
  • Trabalham em turnos irregulares, misturando tarde e noite em dias diferentes, e isso pode prejudicar seu ritmo biológico, dificultando dessa forma que a mulher engravide. Além disso, a mulher grávida precisa de cuidados especiais para assegurar a saúde do bebê e da mãe mesmo enquanto ela continua a realizar suas atividades profissionais;
  • Dedicam duas vezes mais tempo que os homens às atividades domésticas, trabalham, no total, cinco horas a mais que eles, por semana, e estão inseridas em trabalhos precários e invisíveis ou profissões relacionadas ao seu papel socialmente atribuído ao cuidado elas mulheres adoecem;
  • Têm maior parte com título universitário e que não trabalham (41,5%), enquanto no caso dos homens são apenas 17,2%.
  • Preferem ter um emprego do que ficar em casa (70%), algo com o que, além disso, 66,5% de homens estão de acordo.
  • Têm a taxa de desemprego de 16,4% no quarto trimestre de 2020, comparados aos 11,9% dos homens (aproximadamente 1,1 milhão de mulheres entraram no desemprego).
  • Têm a taxa de participação laboral com queda histórica de 5,4 pontos percentuais (um retrocesso de 10,3%), atingindo o nível de 46,4% (quase 12 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho regional devido à eliminação de empregos)
  • Sofreram um declínio na participação laboral, depois de décadas durante as quais houve um aumento constante em sua incorporação ao emprego remunerado (de acordo com dados do relatório Panorama Laboral da Organização Internacional do Trabalho - OIT, há mais de 15 anos não se registrava uma taxa tão baixa de participação das mulheres).
  • Têm sido afetadas no mercado de trabalho devido à sua maior presença em setores econômicos fortemente afetados pela crise, como o de serviços, com cerca de 50% da força de trabalho feminina, e o de comércio, com 26%.
  • Têm seu rendimento médio mensal (R$ 2.219,00) menor do que os trabalhadores homens (R$ 2.724,00); 
  • Tiveram em 2018 menor probabilidade de trabalhar (26% inferior que a de um homem), numa melhoria de apenas 1,9% com relação a 1991;
  • Têm apenas 25% dos cargos de gerentes com filhos menores seis anos, enquanto a proporção de mulheres em cargos diretivos aumenta para 31% se não tiverem filhos pequenos;
  • Têm pouco acesso às creches e escolas, com apenas 26% das crianças frequentam creches nos três primeiros anos de vida!
  • Tiveram a taxa de participação na força de trabalho 2019 menor que os homens;

 
  • Tiveram um nível de ocupação menor dentre aquelas com crianças para cuidar;
  • Tiveram uma taxa ajustada de frequência escolar líquida do ensino superior menor que os homens;

 
  • Tiveram presença menor do que os homens como professoras no ensino superior;

 
  • Ocupam menos cargos de gerência, quando comparadas aos homens;

 
  • Tiveram menor taxa de participação na força de trabalho, independente da raça, quando comparadas aos homens;

 
  • Tem menor nível de ocupação, quando comparadas aos homens, o que agrava quando tem crianças de até 3 anos.

 
  • Fazem mais horas de cuidados pessoais e/ou afazeres domésticos, quando comparados aos homens;

 
  • Fazem mais horas de cuidados pessoais e/ou afazeres domésticos, quando comparados aos homens, independente do rendimento financeiro

 
  • Tem menores rendimentos habituais médios mensal, quando comparadas com homens;

 
  • Possuem maior expectativa de vida do que os homens, com variações entre as regiões do Brasil;



Masculinização do trabalho

Grande parte dos ambientes de trabalho são masculinizados! Mas por que isso?

A resposta está no conceito de “divisão sexual do trabalho”. Hirata e Kergoat (2008), conceituam a divisão sexual do trabalho como a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos. 

Essa forma é modulada histórica e socialmente, o que dá peso ao conceito. Tem como características principais a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares, etc.).

Mesmo diante do conceito de divisão sexual, o trabalho, a organização e a gestão continuam sendo as maiores forças na construção de homens, mulheres, feminilidades, masculinidades e poder! Collinson e Hearn (2004) afirmam que o trabalho é de fato socialmente organizado por meio de uma divisão de gênero!

O ambiente das empresas é organizado de forma a manter valores os masculinos, nos quais a masculinidade é vista como algo relacionado apenas aos “homens heterossexuais”, cabendo às mulheres e aos homossexuais um papel secundário (e se adaptaram a essa realidade).

Porém GRAÇAS A DEUS, atualmente muitas fronteiras sociais, anteriormente estabelecidas, têm sido destruídas, inclusive no mundo do trabalho. 

Além desse ambiente masculinizado, o aumento da presença feminina nos diversos ambientes de trabalho vem associado a uma inserção a partir de uma divisão sexual do trabalho baseada na construção social do que é “ser homem” e “ser mulher”. 

A mulher deixa em segundo plano sua identidade profissional e se coloca no mundo do trabalho com base na sua posição familiar. Isso faz com que ela enfrente barreiras para ter o acesso e a permanência no mercado de trabalho, tais como os citados acima.

A masculinização do trabalho gera muitos empecilhos às mulheres, tais como os salários menores para os mesmos cargos; dificuldade para frequentar cursos de qualificação e de progredir profissionalmente; desqualificação das habilidades aprendidas em casa, no trabalho doméstico, dentre outros.

A masculinização também gera a visão errônea de empregos “tipicamente femininos”, percebidos como os que necessitam de “ser mulher” ou de “menos habilidades” e têm “menos riscos que os masculinos”.

As mulheres têm sido as preferidas para realizar atividades consideradas “secundárias e de menor qualificação”, sendo comumente alocadas em atividades que exigem mais atenção, destreza, precisão, fineza, concentração, detalhamento, agilidade, velocidade com repetitividade de movimentos, obediência, paciência, disciplina, responsabilidade, dedicação, delicadeza e sensibilidade do que aquelas exercidas pelos homens geralmente. 

Porém, esse tipo de trabalho acontece em postos com baixo controle sobre as tarefas, com pequena margem de decisão e autonomia, com alta pressão por produtividade e por longas jornadas de trabalho. Obviamente isso gera aumento no processo de adoecimento, assunto que vamos abordar mais a frente nesse artigo.

A divisão sexual do trabalho e os conceitos a respeito das relações sociais de sexo/gênero, assim como o conceito amplo de ergonomia, engloba a ação ergonômica que se materializa em recursos de trabalho (ferramentas, utensílios, vestuário, mobiliário e etc.) e em elementos organizacionais. 

Quanto ao emprego feminino, assiste-se mundialmente a um aumento do emprego e do trabalho remunerado das mulheres e no Brasil não é diferente: observa-se um aumento na proporção de mulheres na população economicamente ativa - PEA. 

Hirata (2004) afirma que mesmo com esse aumento, há uma ligeira queda da participação das mulheres na PEA em alguns momentos, o que demonstra que o ingresso feminino no mercado de trabalho não tem encontrado facilidades na manutenção dessa vaga (tanto que o desemprego feminino é maior do que o masculino), assim como a precariedade do trabalho feminino é maior do que o masculino.

Ainda como resultado da “masculinização do ambiente de trabalho” e da “divisão sexual do trabalho”, as cargas físicas impostas às mulheres no ambiente de trabalho gera discussão há tempos: afinal, a mulher pode carregar peso no trabalho? O limite de peso que um homem pode pegar é maior, por ser mais forte?

Pra começar essa discussão, vamos lembrar da nossa Consolidação das Leis do Trabalho - CLT:
“Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.”

Outro artigo da CLT indica que, em relação aos homens adultos, o limite de peso é maior que o limite das mulheres:
“Art. 198 - É de 60 kg (sessenta quilogramas) o peso máximo que um empregado pode remover individualmente, ressalvadas as disposições especiais relativas ao trabalho do menor e da mulher.”
Esses artigos estão possivelmente de acordo com a Convenção nº 127 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em vigor desde 1970:
“Art. VII — 
1. A designação de mulheres e de trabalhadores jovens para o transporte manual de cargas outras que sejam leves deverá ser limitada. 
2. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o transporte normal de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser nitidamente inferior àquele admitido para os homens.”

Olha que incoerência: se o limite de peso para as mulheres já não atende as análises ergonômicas atuais, o limite do homem, que beira o absurdo de 60 quilos!

Inclusive, em 2005 foi enviado o PL 5746, com o objetivo de diminuir o peso máximo de 60 quilos para 30 quilos.

Porém, o Senado solicitou um parecer da Ergonomista Dra Maria de Lourdes Moure; em uma parte do documento ela cita:
“Há uma sugestão baseada num modelo biomecânico feito por Chaffin, nos Estados Unidos, que depende da distância que essa carga está do corpo do trabalhador e da altura. Então, para se ter uma idéia dos valores de referência, ela pode oscilar de 10, 15, 20kg, dependendo da altura e da distância do corpo do trabalhador, para não comprometer a sua saúde.”

Não vamos entrar no mérito dos índices que aumentam ou diminuem o limite de peso recomendado (como na Equação de NIOSH), mas podemos dizer que na prática e até cientificamente o limite seria de 20 quilos.

Porém, tendo em vista que a norma deve ter “eficácia social”, o Senado Federal definiu que o limite seria de 30 quilos, segundo ele, “de modo a respeitar a realidade brasileira” (ridículo isso!). O PL 5746/2005 segue sem apreciação final da Câmara dos Deputados. 

Esse cenário complexo gera 12% mais adoecimentos nas mulheres do que aos homens, o que é justificado pela “inadequação dos locais de trabalhos para as mulheres”, como o Ministério da Previdência Social (MPS) afirma.

O Prof. Dr. Roberto Cardoso (coordenador do Núcleo do Propósito no Femme – Laboratório da Mulher) afirma que as mulheres estão mais suscetíveis ao adoecimento porque, em algumas situações, as mulheres sofrem consequências negativas do modelo masculino imposto pelo mercado de trabalho.

A mãe trabalhadora

Outra questão que impacta muito na saúde da trabalhadora é a relação entre o trabalho e a maternidade.

Ainda hoje é erroneamente difundido em nossa sociedade que cabe apenas à família conjugal a criação e a educação dos filhos, sendo os cuidados infantis atribuídos sobretudo à mulher. 

Diante da tarefa de cuidar dos filhos, as trabalhadoras buscam vários “arranjos”, como a ajuda de avós, tias, babás, creches e escolas para o cuidado dos filhos. 

Apesar dessa realidade estar mudando, ainda hoje, poucas podem contar com a participação efetiva do marido. Mesmo com avanços, como ainda hoje o trabalho é organizado por gênero em nossa sociedade, não é possível perceber a efetiva participação masculina em atividades familiares domésticas.

Uma análise entre a saúde da criança e o trabalho materno mostrou que não houve associações entre o baixo peso ao nascer com o trabalho materno. Porém o estudo mostrou uma significativa associação com as seguintes variáveis maternas: ganho de peso na gestação menor que 7 kg, idade inferior a 20 anos e não ter companheiro. Os resultados mostraram a importância do acompanhamento pré-natal na redução da ocorrência de recém-nascidos com baixo peso ao nascer

As mais afetadas pela desigualdade entre sexos são as mulheres com filhos menores de 6 anos, as quais sofrem com o que chamou de "penalização profissional da maternidade".

Esse conceito mostra o quão as mulheres são penalizadas em suas trajetórias profissionais quando se tornam mães. Cada vez mais, tem ficado evidente o despreparo das organizações (e da própria sociedade) para a inserção de mães no mercado de trabalho.

Porém, a penalização da maternidade não se limita ao acesso ao. Ela segue as mulheres durante a maior parte de sua trajetória profissional e dificulta suas possibilidades dela chegar, por exemplo, a um posto de liderança.

Isso é demonstrado com fatos, como os dados que mostramos acima, em que as mulheres têm menor nível de ocupação, quando comparadas aos homens, o que agrava quando tem crianças de até 3 anos.

Uma outra questão importantíssima e que ajudaria a reduzir essas dificuldades é a presença de creches e escolas em período integral, para que os pais pudessem deixar seus filhos e filhas, quanto trabalham.

Sem dúvida, a falta de creches atrapalha a carreira das mães trabalhadoras e o consequente desenvolvimento do país!

Está tramitando na Câmara o PL nº 4.380/2019 (que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), para tornar obrigatório a oferta de pré-escolas em período integral a todas as crianças de 4 e 5 anos do país,  já que a LDB prevê a obrigatoriedade de pré-escola nessa faixa etária, porém sem a especificidade da oferta em período integral.

A falta de acesso à “rede pública universalizada de cuidados” para crianças de até 3 anos, faz com que as trabalhadoras com filhos pequenos sofram uma série de exclusões no mercado de trabalho, o que prejudica a inserção e o desenvolvimento profissional feminino.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 eram mais de 11,8 milhões de crianças de 0 a 3 anos no país e apenas 3,1 milhões de matrículas em creches nessa faixa etária (dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep). Fazendo a proporção, apenas 26% das crianças frequentam creches nos três primeiros anos de vida!

Como bons exemplos de como facilitar a vida da mãe trabalhadora, algumas empresas criam postos universais para mães trabalharem, de forma que os postos dêem vista clara para uma “sala de maternidade”, com a possibilidade da mãe se higienizar, trocar de roupa e promover cuidados aos filhos e filhas, durante o trabalho.

Tanto o Governo quanto as organizações precisam adotar estratégias para mitigar as desigualdades causadas por esse cenário e valorizar muito mais a maternidade. 

Adoecimento relacionado ao trabalho feminino

Outro ponto a ser discutido aqui é a repercussão de todo esse cenário na saúde das trabalhadoras. O dia 28 de maio comemora o Dia Internacional da Saúde da Mulher e trouxemos esse tema para a saúde da trabalhadora para pontuar algumas questões que o Ergonomista deve lembrar na hora de pensar em estratégias sobre o tema.

A trabalhadora vivencia um processo de adoecimento causado pelo trabalho que já é ocultado e tratado como “doença de mulheres”, ou seja, sem uma análise da existência do nexo causal epidemiológico com o trabalho: “Ah, isso é coisa de mulher”.

Essa situação agrava duplamente o processo de inserção da mulher no trabalho, sendo agravado pelos desenhos atuais do trabalho, marcados pela conjunção da precariedade do emprego feminino com as formas recentes de intensificação do trabalho impostas pelas novas tecnologias e processos produtivos. Ergonomista, pense nisso com carinho!

Dados do MPS mostram que as mulheres são mais vulneráveis a contraírem doenças ocupacionais!

Pesquisas realizadas entre os anos de 2004 e 2013, analisou os vínculos empregatícios de mulheres no mercado de trabalho e perceberam que esses tiveram crescimento de 79%, mostrando também um aumento na concessão de auxílio-doença acidentário para essas trabalhadoras, atingindo o índice de 72%. Quando comparamos esses números aos dos homens inseridos no mercado de trabalho, o emprego assalariado cresceu 53% durante o mesmo período de avaliação, enquanto o auxílio-doença acidentário ascendeu pouco mais de 60%. O diretor do estudo, Dr Marco Pérez, afirma que a justificativa está intimamente ligada à inadequação dos locais de trabalho para as mulheres”.

Observando as principais causas de afastamentos no trabalho do Anuário Estatístico da Previdência Social, percebemos mais uma diferença entre homens e mulheres: enquanto os homens são mais vulneráveis às causas traumáticas, os principais motivos que afastam mulheres no trabalho estão relacionados às doenças decorrentes de más condições ergonômicas oferecidas no ambiente laboral!

Mais uma vez a masculinização do ambiente do trabalho agrava a já precária situação de trabalho que as mulheres encontram. 

Há a necessidade de adequações ergonômicas nos locais de trabalho!

As políticas de prevenção de adoecimento e acidentes de trabalho devem focar nas diferenças existentes entre os gêneros e atuar na adequação do ambiente de trabalho considerando a maior vulnerabilidade da mulher.

Todos têm a ser beneficiado por essa situação!

Para que as organizações possam oferecer um programa ergonômico eficiente e que vise o cuidado com a saúde de homens e mulheres no ambiente laboral, as condições de trabalho devem ser adequadas observando aos métodos de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais de maneira mais ampla, e não apenas para cumprir normas.

Um Programa Ergonômico que adote procedimentos e técnicas comuns a todos os trabalhadores, de forma bem elaborada, gera para as organizações benefícios como a saúde dde todos os trabalhadores e uma maior eficiência produtiva.

Como já falado, as mulheres têm sido as preferidas para cumprir tarefas consideradas secundárias e de menor qualificação, o que as submetem a postos com características que aumentam a morbidade sobre elas: baixo controle sobre as tarefas, pequena margem de decisão, baixa autonomia, alta pressão por produtividade e por longas jornadas de trabalho.

Analisando estudos que avaliam as queixas referentes a morbidades agudas e crônicas e o uso dos serviços de saúde pela mulher trabalhadora, percebeu-se maior prevalência de queixas, quanto maior morbidades entre as mulheres, associadas à menor procura pelos serviços de saúde no grupo que mantinha atividades remuneradas. Isso significa que as mulheres sofrem mais e com menor procura aos serviços de saúde.

Outro estudo sobre o desconforto genital no cotidiano da mulher trabalhadora da indústria de confecção mostrou que a maioria das trabalhadoras relatou apresentar corrimento ou prurido vaginal e o “receio de faltar ao trabalho” e ainda o “temor de que os companheiros descobrissem os problemas genitais” foram apontados como justificativa para não procurar o profissional de saúde. Muito triste isso!

Já um estudo com trabalhadoras apontou que a incidência anual de acidentes não fatais em mulheres é maior entre as empregadas de serviço doméstico do que entre as demais trabalhadoras.

Além disso, nos âmbitos organizacionais, psicossocial/cognitivo, as metas de produção e o rendimento no trabalho que são exigidos às mulheres trazem ansiedade, favorecendo o esgotamento e desgaste físico e mental. 

Esse cenário é agravado pela grande exigência de concentração nas funções e pela alta competitividade no trabalho, pela pressão e pelo controle do trabalho, exercido não só pelos chefes e clientes, mas também pelos próprios colegas.

A trabalhadora é estimulada a se concentrar mais nas suas funções, sobrando pouco tempo para o contato mútuo, para a troca de experiências e para a solidariedade entre os colegas.

Dados recentes mostram que as doenças do coração representam 30% das causas de morte entre mulheres com mais de 40 anos, matando mais do que o câncer ginecológico!

Essa estatística tem relação estreita com o estresse no trabalho: 50% das mulheres brasileiras que trabalham em ambientes corporativos sofrem de estresse.

Fizemos um artigo muito legal sobre o tema: abra o link e deixe de lado, para que depois de ler, você possa ir lá e ler!

Como mostramos anteriormente, as mulheres estão mais suscetíveis aos problemas de saúde (inclusive ao estresse) porque sofrem consequências negativas do modelo masculino imposto pelo mercado de trabalho.

As organizações devem acolher melhor essa mulher, para que atitudes conscientes sejam tomadas diante de uma constatação de stress, ou seja, no momento em que se percebe o problema, deve-se fazer algo para resolvê-lo.

Ergonomista: obviamente você é peça fundamental nesse cenário.

O profissional de Ergonomia deve promover mudanças no ambiente de trabalho que também possam ajudar a melhorar a saúde das mulheres, em especial. Um bom exemplo disso seria promover mudanças que melhorassem a relação entre empresas e funcionárias que se tornam mães, criando creches no ambiente de trabalho, com momentos de amamentação, deixando-as mais próximas de seus filhos neste período importante da vida.

Igualdade de oportunidades

Outro ponto importante a ser discutido é a igualdade das oportunidades entre todos os trabalhadores da empresa.

Um bom exemplo a ser seguido vem da Islândia, único país que chegou a alcançar a plena paridade nas oportunidades de trabalho para homens e mulheres, porém ainda não havia conseguido a igualdade de remunerações. Nesse cenário, o governo Islandês anunciou medidas concretas para acabar com a lacuna salarial, tomando medidas que vão desde a certificação de empresas que pagam por igual a homens e mulheres, até criar um sistema para que as organizações prestem contas a respeito.

Nesse contexto, um aspecto que preocupa a OIT é que a rentabilidade da educação obtida pelas mulheres - em termos de emprego - é menor que para os homens. Como falamos, 41,5% das mulheres do mundo com título universitário não trabalham, enquanto no caso dos homens são apenas 17,2%.

Outro fator que prejudica as mulheres e promove a desigualdade, é o fato de que a maior parte delas assume o cuidado de pessoas dependentes, seja por velhice, doença ou incapacidade; assim como o trabalho doméstico.

A Recomendação 165 OIT aplica-se a homens e mulheres trabalhadores com responsabilidades com relação a seus filhos dependentes, quando estas responsabilidades restringem a possibilidade de se prepararem para uma atividade econômica e nela ingressar, participar ou progredir.

Aspectos financeiros

Esse cenário de desigualdade também se reflete na questão financeira.

A maior parte das mulheres está ocupada em postos de trabalho informais, sem carteira profissional assinada pelo empregador, ou está em empregos sem remuneração ou para autoconsumo.

Como falamos, tradicionalmente grande parte das mulheres são destinadas a formas desfavoráveis de inserção no mercado de trabalho, o que justifica em parte o fato de que seus rendimentos costumam ser inferiores aos dos homens e a qualidade da ocupação habitualmente é menor (além de outros fatores sociais que já citamos). 

Pandemia como potencializador da desigualdade
Todo esse complexo cenário de desigualdade foi agravado pela pandemia, o que nos fez regredir a passos largos o que conseguimos evoluir com muito suor!

Antes da pandemia, a igualdade de gênero era uma questão pendente que desafiava as políticas públicas trabalhistas, embora pudéssemos ter alcançados
progressos significativos, ao longo de décadas.

Outro fator que tem afetado as perspectivas de recuperação do emprego das mulheres são as medidas adotadas com relação ao distanciamento e à redução da circulação de pessoas, o que dificultou o acesso aos serviços de educação e de cuidados, problematizando ainda mais a conciliação entre o trabalho remunerado e as responsabilidades familiares.

Em 2021, as mais de 13 milhões de trabalhadoras que viram seus empregos desaparecerem devido à queda abrupta da participação no trabalho e ao aumento do desemprego no ano passado somam-se a cerca de 12 milhões que já eram afetadas pelo desemprego antes da pandemia. 



Por fim...

Na atual conjuntura social em que vivemos, muitas mulheres passaram a ter, assim como o homem, responsabilidades com a renda familiar, precisando para isso trabalhar fora de casa. 

Embora contribuam para o sustento do lar, continuam encarregadas das atividades domésticas, o que causa uma sobrecarga de trabalho.

Este acúmulo de funções tem criado interferências diretas contra a saúde da mulher contemporânea, provocando muitas vezes desgaste físico, psíquico e em suas relações sociais.

A falta de atuação efetiva de Ergonomistas capazes de adaptar as condições de trabalho em prol de um favorecimento à saúde dessas mulheres, agrava todo o contexto que discutimos nesse artigo.

Com a pandemia, a abrupta queda na taxa de participação laboral e o aumento do desemprego tornam urgente a implementação de políticas para uma maior igualdade de gênero no trabalho, como um componente-chave das estratégias de recuperação no pós-COVID-19!

Ergonomista, assuma seu papel social e ajude nesse processo!

Gostou do artigo? Comente aqui qual sua experiência com alguma medida em prol da igualdade entre homens e mulheres dentro de algum dos seus clientes.

Referências
Estaística de Gênero - IBGE
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Recomendação 165 da IOT - R165 - Recomendação sobre a Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores: Trabalhadores com Encargos de Família
Panorama Laboral (OIT)
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Collinson, D. L., & Hearn, J. (2004). Men and masculinities in work, organizations, and management. In M. S. Kimmel, J. Hearn, & R. W. Connell (Eds.), Handbook of studies on men & masculinities (pp. 289-310). California: Sage Publications.
Oliveira M, Temudo E. Mulheres estudantes trabalhadoras na Universidade do Porto – uma licenciatura «fora de tempo» ou «sem tempo»?. Ex aequo [on-line], Vila Franca de Xira, 2008;(18):147-73
Veloso, D.L.C. et al. Saúde da Mulher Trabalhadora no Brasil: Uma Revisão Integrativa. Brasília Med 2014;51(3.4):245-254.
Relatório do Fórum Nacional de Mulheres Trabalhadoras das Centrais Sindicais - Saúde da Mulher no Mundo do Trabalho
Portal do MEC
Anuário Estatístico da Previdência Social
Núcleo do Propósito no Femme – Laboratório da Mulher 
 

Comentários: