Esse é o segundo artigo da nossa série sobre a nova Norma Regulamentadora 01 (NR 01), então se você não leu o primeiro, “comece do começo” e vá ler o primogênito e depois volte aqui.
Mas para você que já leu o primeiro, gostou, e está aqui para mais conhecimento, nesse artigo nós iremos aprofundar em alguns conceitos, trazê-los para a Ergonomia e mostrar a relação do PGR com os outros programas de Saúde e Segurança do Trabalho (SST).
A NR01 é uma norma que não dá muuuuitos detalhes sobre tudo contido nela (nem era essa a ideia dos autores), mas ela acrescenta um requisito de muito impacto para o Ergonomista que atua nas organizações: a partir dessa nova redação da NR 01, a empresa é responsável por realizar um gerenciamento de risco ocupacional e isso é feito através de um Programa de Gerenciamento de Risco (PGR).
Ergonomista, preste atenção: gerenciamento de risco não é um documento! É um conjunto de ações sistematizadas, com avaliação, planejamento, desenvolvimento, reavaliação e continuação!
A organização é a responsável pela criação, organização e desenvolvimento do PGR, bem como pela implementação das ações contidas no plano de ação. Mas quando falamos de “a organização”, queremos falar das pessoas envolvidas.
A concepção e implementação deve ser feita por uma equipe multidisciplinar, inclusive (na maioria dos casos) com assessoria em SST.
Os papéis devem ser claramente definidos, inclusive dos papéis dos prestadores de serviços externos, inclusive do Ergonomista. Na série de artigos sobre NR17 iremos definir claramente como é o papel, quais informações ele deve fornecer da AEP e da AET para o inventário e para o plano de ação do PGR.
Em relação às pessoas responsáveis e envolvidas no processo de implantação do PGR, para que esse processo possa ser contínuo, deve haver o envolvimento das pessoas que estão dentro da unidade, todos os dias, já que você, caso consultor, só está na empresa algumas vezes no mês.
Para tal, um ponto importante é o tempo que esse trabalhador tem para resolver “as coisas do PGR”: eles têm que ter tempo para isso! Para que haja a participação efetiva dos trabalhadores, eles devem ter um tempo na semana “livre” para desenvolverem as atividades que ficaram responsáveis, caso contrário, será mais do mesmo.
Eu explico: a ergonomia por muito tempo ficou a par das ações de saúde e segurança das organizações, (erroneamente) como sendo uma ação complementar e não obrigatória.
Além disso, apesar de continuarmos fazendo nosso trabalho com a Ergonomia sob demanda da empresa, no final, o programa ergonômico não seguia a mesma metodologia dos outros programas (documentos?) de segurança. Na empresa havia vários programas ligados aos riscos ocupacionais, a maioria deles desconexos e ineficientes.
Outro ponto é que a empresa investe mais em segurança do que em ergonomia. Isso acontece, por exemplo, quando ela gasta para colocar protetores auriculares em todos os funcionários, mas não consegue ajustar a altura de uma bancada, para evitar que o trabalhador dobre a coluna.
Dentro dessa nova sistemática do GRO, os riscos terão de fato a mesma equivalência. Agora os riscos têm que ser trazidos todos para o PGR, um único que contém todos os riscos!
Acrescentando ainda, os riscos terão que ser mitigados ou eliminados (Item 1.5.3.2) e, nesse caso, irá favorecer o contrato de Gestão em Ergonomia, ao ponto de que se a norma for cumprida (de fato!), ela obrigará as organizações que seja realizado um trabalho contínuo de gestão, o que é um argumento para mostrar para seu gestor.
A partir dessa sistemática, teremos todas as demais normas e riscos tendo que se referenciar ao GRO, como se ele fosse um grande guarda-chuvas, como gosta de repetir os envolvidos na construção da NR 01.
Nesse esquema acima, as demais normativas (gerais e setoriais) deverão estar inseridas na mesma sistemática de gerenciamento de riscos ocupacionais, inclusive a NR12, NR17, NR36 e outras ligadas ao Ergonomista.
Nós escrevemos um artigo sobre as normativas que o Ergonomista deve seguir.
Outra mudança é que nova NR01 deixa clara as obrigações das organizações, as quais devem evitar que os riscos ocupacionais sejam originados no trabalho e, para para os riscos que não puderem ser evitados, ela deve identificar os perigos e possíveis lesões ou agravos à saúde, avaliar esses riscos ocupacionais, indicando o nível de risco, para determinar a necessidade de adoção de medidas de prevenção. Em seguida, as organizações devem implementar medidas de prevenção, de acordo com a classificação de risco e na ordem de prioridade estabelecida, além de acompanhar o controle dos riscos ocupacionais.
Essa nova versão da NR01 vem para substituir o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e complementa os demais programas de gerenciamento de riscos, inclusive o Programa Ergonômico.
A norma traz também melhorias tecnológicas, como a anuência para capacitar os profissionais de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) por meio do ensino à distância (EAD) e a definição da prestação de informações digital ou digitalizada dos documentos.
Uma grande inovação dessa nova redação diz respeito sobre o tratamento diferenciado das empresas MEI (Microempreendedor individual), ME (Microempresa) e EPP (Empresa de Pequeno Porte):
Outra mudança foi conceitual foi com os termos como perigo/fator de risco, risco e prevenção. Como falamos no artigo anterior, o novo texto da NR01 misturou os conceitos de perigo, risco e isso tem gerado implicações, causando dificuldades na prática. Nós já falamos no post anterior, mas aqui vamos aprofundar e trazer mais para a área da Ergonomia.
Ergonomista, o importante é você fixar esse conceito e usar na sua rotina de trabalho!
Perigo ou fonte de risco ou fator de risco (nome usado por causa do eSocial) ou hazard: fonte com o potencial de causar lesões ou agravos à saúde. Elemento que isoladamente ou em combinação com outros tem o potencial intrínseco de causar origem a lesão ou agravos à saúde.
Risco: probabilidade de ocorrer o dano, o desfecho (não é de ocorrer o evento e sim o dano). É a combinação da (P) PROBABILIDADE (de ocorrer lesão ou agravos à saúde causados por um evento perigoso, exposição a agente nocivo ou exigência da atividade de trabalho - biomecânica, mental, afetiva etc.) e da (S) SEVERIDADE (dessa lesão ou agravo à saúde).
Com base nesses conceitos (sinto muito sermos nós a falar isso com você!), fica muito óbvio que não faz mais sentido (nunca fez) falarmos em risco físico, risco químico, risco biológico, risco ergonômico, risco mecânico. Exemplo: quando falo "risco físico", estou falando de risco com repercussão física sobre o corpo ou risco de uma energia física ou decorrente de um ruído (que é estudada pela física)? Essa terminologia que normalmente vem sendo usada, não são adequadas e não devem ser mais usadas.
Um exemplo é o respingo de um ácido concentrado na pele de um trabalhador de um laboratório, analisado pelo Ergonomista que atua na prevenção e análise de acidentes. A probabilidade (P) de ocorrer a queimadura (e não de respingar). Se respingar e o local tiver um sistema de lavagem rápida, a queimadura pode não ocorrer.
Nós escrevemos dois super artigos sobre “Ergonomia e Acidente de Trabalho”, inclusive com a possibilidade de baixar um presente: formulários de análise de acidentes, aos olhos da Ergonomia. Vá lá conferir!
Obviamente um incidente é algo indesejado, com potencial para gerar um dano. Se ele não causa dano, ele é meramente um incidente. Já se ele causar dano, ele será um acidente.
Todo acidente é um incidente e nem todo incidente é um acidente.
A NR 01 fala que a empresa deve desenvolver ações de gerenciamento de risco e para isso, elas devem ser priorizadas quanto à probabilidade e à severidade. Riscos intoleráveis devem ser resolvidos imediatamente! Riscos aceitáveis não precisam ser resolvidos de forma prioritária e podem, caso sejam triviais, ser apenas monitorados. Isso faz com que as ações sejam atacadas de forma mais eficiente.
Para isso, deve-se submeter essa classificação a um Matriz de Risco, sendo que hoje existem inúmeros e bons exemplos de matrizes. Um exemplo genérico de uma matriz de risco está abaixo:
Nela, perceba que as cores são semelhantes às de um sinal de trânsito: verde, amarelo e vermelho. Essas cores podem ser encontradas pela combinação de números ou através de uma matriz de risco. Para esse exemplo genérico:
Nós sugerimos a utilização de algumas ferramentas de quantificação de risco, como o FMEA (sigla no inglês Failure Mode and Effect Analysis, na tradução para o português “Análise de Modos de Falha e seus Efeitos” e a Matriz GUT (sigla de Gravidade, Urgência e Tendência). Nós escrevemos dois artigos sobre cada uma dessa ferramentas, relacionando-as com a Ergonomia. Vá lá ver!
Com forma de tangibilizar as estratégias de priorização de risco, o boneco animado NAPO traz um vídeo mostrando situações em que ele e seu gerente analisaram vários riscos, priorizaram-nos e resolvendo por ordem de prioridades, começando pelos mais graves e terminando pelos menos graves.
A ISO 31.000 (sobre Gestão de Risco) apresenta um modelo de determinação de Riscos, conforme imagem abaixo.
A imagem acima, também baseada na ISO 31.000, mostra um ambiente onde temos uma fonte de risco, que é influenciada por vários fatores que contribuem para a ocorrência do evento (evento esse que pode ser um incidente ou uma exposição), que pode levar a uma consequência, que gera impacto sobre o ser humano e sobre o sistema de trabalho. Nesse cenário, o “como pode acontecer (causas)” e o “o que pode acontecer” são ocorrências futuras, ou seja, são perigos. Não são riscos, pois nós chamamos de risco quando estimamos a probabilidade (P) e a severidade (S).
A imagem acima usamos para definir o risco ocupacional, deve se fazer uma relaciona com um contexto:
Em seguida questiona-se:
Existem vários outros modelos para analisar e descrever um acidente, como o “Gravata Borboleta”, também citado pela ISO 31.000. Escrevemos um post sobre esse tema.
De forma resumida, a análise de Gravata Borboleta é uma forma diagramática de descrever e analisar os caminhos de um risco, das causas até as consequências, e tem esse nome pois a imagem parece uma gravata borboleta mesmo. Através dela, percebemos como cenários de riscos se desenvolvem. Analisamos cenários de risco plausíveis em torno de um ou mais riscos.
Nesse modelo, temos ao centro o evento, à esquerda os fontes de risco e várias causas para os eventos, os quais podem ser controlados por barreiras de controle (prevenção primária).
O esquema mostra ainda, à esquerda, que os mecanismos que levam ao evento podem ser controlados por barreiras de controles comuns a outros riscos. Já o aumento do fator de risco é reduzido/eliminado por barreiras que evitem o aumento dos fatores de riscos que podem ser escaláveis.
Do lado direito temos os mecanismos de consequências, que são formas de minimizar as consequências (prevenção secundária), como é o caso da vigilância em saúde dos trabalhadores expostos a algum efeito nocivo, para detectar algum problemas de saúde.
Dentro da Ergonomia, poderíamos usar essa metodologia para analisar o adoecimento de um trabalhador que precisa transportar uma carga, empurrando a paleteira que contém um objeto muito pesado, além das forças do trabalhador.
Nesse exemplo, o perigo seria a carga pesada e o evento principal, ao centro seria, o trabalhador transportando uma carga acima da sua capacidade física.
Nesse modelo, à esquerda as ameaças, ou fontes de risco como causas para o evento, que seriam a inadequação da interface-homem-paleteira-carga-trajeto e a paleteira não adequada para aquele transporte. Essas ameaças poderiam ser controladas por barreiras de controle (ou de prevenção primária ou proativas) como a realização de um AET ou a definição de uma boa Ordem Operacional ou testes preventivos na paleteira, realizados pelo Setor de Manutenção. O esquema mostra ainda, à esquerda, que os mecanismos que levam ao evento podem ser controlados por barreiras de controles comuns a outros riscos. Já o aumento do fator de risco é reduzido/eliminado por barreiras que evitem o aumento dos fatores de riscos que podem ser escaláveis.
Do lado direito temos as consequências, com a possibilidade de adicionarmos barreiras de mitigação (ou reativas ou de prevenção secundária) para minimizar as consequências, como é o caso da vigilância em saúde dos trabalhadores expostos a algum efeito nocivo (pelo questionário de queixa subclínica para detectar algum problema de saúde) ou a análise de acidente
Nós escrevemos um super artigo sobre a ISO 31.000, vá lá conferir!
Ergonomista, após uma aprofundamento na análise de riscos e perigos, dentro do conceito correto indicado pela ISO 31.000, nessa altura do campeonato, já deve ter ficado claro para você, que o PGR não é só um documento, como ficou banalizado o PPRA.
Ficou claro também que perguntas como “quem assina o PGR” não fazem sentido e que quem pergunta isso não entendeu nada da coisa!
O PGR deve estar integrado a outros planos e programas (item 1.5.3.1.3) previstos nas outras NRs, como o Programa de Ergonomia. Essa integração é feita através do Inventário de Risco, como vamos citar mais a frente, quando falarmos dele.
Alguns elementos básicos de Programas de SST estão contidos na NR01:
Esses dois primeiros itens (1 e 2) não são explicitados pela nova redação da NR01, o que pode causar alguma confusão.
Obviamente que a empresa deve conter, no mínimo, o objetivo de cumprir a legislação e uma estrutura organizacional pronta para cumprir as normativas.
Os itens 5, 6 e 7 são os pontos principais que ligam o PGR ao PCMSO, estando, inclusive, os riscos ergonômicos presentes nessa relação.
A abordagem dos itens 8 e 9 na norma é limitada! A nova redação da NR 01 indica que deve ser avaliado o desempenho das medidas preventivas e não fala de medir o desempenho do programa e indicadores, como um todo.
Ergonomista, esperamos que ao final desse artigo você tenha aprofundado seus conhecimentos a respeito da NR01, seus conceitos, análise de risco e sobre a relação do PGR com os outros programas de SST.
No próximo artigo iremos destrichar os principais pontos da NR01 nova, fazendo relação com a Ergonomia. Lembrando que o assunto é sério, extenso e irá ocupar 6 artigos!
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Referências
Portaria 787/2018
NR01
Apresentação CANPAT2020
NR17
AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA OCUPACIONAL AFO - II
AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA OCUPACIONAL AFO - I
ATUALIZAÇÃO DA LISTA DE DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO NOVEMBRO24 E SUA RELAÇÃO COM A ERGONOMIA
O QUE MUDA NA VIDA DO ERGONOMISTA COM AS ATUALIZAÇÕES DAS NRS DE AGOSTO24 NR-1, NR-16 E NR-18