ERGONOMISTA: PAUSAS TÉRMICAS PODEM ESTAR COM OS DIAS CONTADOS
O ambiente climatizado artificialmente com baixas temperaturas, chamados também de “ambientes frios”, possuem vários perigos inerentes às atividades realizadas e esses devem ser alvo de atenção do Ergonomista. Não são só as empresas abate e processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano (chamados frigoríficos) que possuem ambientes frios, mas todo e qualquer empresa que precise de manter algo refrigerado, seja produto, matéria prima, estrutura ou algum outro insumo utilizado na produção.
As atividades em ambientes artificialmente frios submetem o trabalhador a um ritmo intenso, baixas temperaturas, umidade, posturas inadequadas, transporte manual de cargas, riscos amputações e exposição a agentes químicos (amônia) e biológicos, sendo um local com muitos riscos.
As estatísticas dos estudos científicos e dos órgãos oficiais colocam o setor de abate e processamento de carnes entre as atividades que mais causaram acidentes. Dentro do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT), se juntarmos os códigos das Classificações de Atividade Econômica relacionada com frigorífico (CNAEs 1011, 1012 e 1013), esse grupo aparece em terceiro lugar no ranking de acidentes de trabalho e o segundo em adoecimentos.
Esse cenário mostra a importância da Norma Regulamentadora (NR) Nº 36, a qual avançou muito sobre o assunto “controle do conforto térmico” para as atividades ocorridas em empresas de abate e processamento de carnes e derivados.
A norma fala ainda que podem ser realizadas medidas técnicas, organizacionais e/ou administrativas. Dentro das medidas organizacionais e administrativas, a NR36 fala que podem ser adotadas medidas como a alternância de tarefas, buscando a redução da exposição ao calor, e que em muitos casos, deve-se usar as pausas, ou seja, a interrupção da atividade de trabalho.
A versão mais atual da NR36 cita o sistema de pausa de uma forma bastante detalhada, indicando pausas em vários momentos, como forma de recuperação psicofisiológicas dos trabalhadores, apontando como possibilidade de amenizar as repercussões negativas do trabalho nas seguintes situações:
- Trabalho de pé (item 36.2.7);
- Transporte manual de cargas (item 36.5.4);
- Atividades como degola e sangria (item 36.6.7.1);
- No sistema de aquecimento das mãos (item 36.9.5.2);
- Quando houver sobrecarga biomecânica, como repetitividade e/ou sobrecarga muscular (item 36.13.2).
Chamamos a atenção para o item 36.13.5b: “As pausas previstas no item 36.13.1 devem ser obrigatoriamente usufruídas fora dos locais de trabalho,
em ambientes que ofereçam conforto térmico e acústico, disponibilidade de bancos ou cadeiras e água potável.”. Esse item deixa claro que é preciso que o trabalhador faça a pausa e fora do lugar de trabalho, em local que tenha um adequado conforto térmico.
A Câmara de Deputados está analisando o Projeto de Lei (PL) 2363/11, do deputado Silvio Costa (PTB-PE), que propõe a limitação do direito às pausas durante o trabalho, além de versar também sobre o adicional de insalubridade, para trabalhadores dos frigoríficos.
Fazendo uma contextualização, o Art. 253 da Consolidação das Leis do Trabalho CLT estabelece que os empregados em câmaras frigoríficas e aqueles que movimentam mercadorias de ambientes quentes para frios, ou vice-versa, têm direito a
20 minutos a cada uma hora e 40 minutos de trabalho. Além disso, o tempo de descanso é considerado como de trabalho efetivo.
O PL mantém o intervalo obrigatório estabelecido pela lei atual,
mas prevê que ele será concedido apenas aos empregados que trabalhem exclusivamente em câmaras frigoríficas ou no transporte entre ambientes com temperaturas muito variadas. Segundo o Deputado, a falta dessa definição em lei vem fazendo com que a Justiça conceda o benefício a outros tipos de funcionários.
Esse PL acaba com as pausas de recuperação térmicas, que é uma das medidas de proteção à saúde dos trabalhadores em frigoríficos mais importantes e já assegurada pela CLT. Atualmente, o PL foi aprovado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara Federal. Agora ela passará pela Comissão de Justiça, Senado e depois sanção presidencial.
A proposta também regulamenta os limites de temperaturas desses ambientes de trabalho frios, para a concessão de benefícios. Atualmente, a regra indica apenas um parâmetro, considerando artificialmente frios os ambientes com temperaturas menores a 15, 12 e 10℃, variação essa de acordo com a região do país.
Para o PL 2363/11,
só serão considerados câmaras frigoríficas os ambientes com temperatura menores de 4℃. Além disso, para se considerar mudança de um ambiente quente para outro frio (ou vice-versa), deverá haver mudança da temperatura de pelo menos 10℃, sendo que um desses ambientes deve ser artificialmente frio.
O PL propõe um novo texto para o Art. 253 da CLT:
Art. 253 Para os empregados que trabalham no interior das câmaras frigoríficas e para aqueles que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para ambientes artificialmente frios e vice-versa, depois de uma hora e 40 minutos de trabalho contínuo, será assegurado um período de 20 minutos de repouso, computado esse intervalo como de trabalho efetivo.
§1º Considera-se como câmara frigorífica, para os fins do presente artigo, somente o ambiente com temperatura artificial inferior a 4° C, destinado a armazenagem de produtos.
§2º Para o direito das pausas previstas no caput do presente artigo, para o trabalhador que movimenta mercadorias entre os ambientes normais ou quentes para o ambiente artificialmente frio ou vice-versa, devem restar atendidos simultaneamente os seguintes requisitos:
I. Na passagem de um ambiente para o outro deverá estar configurada a variação de temperatura superior a 10º C;
II. Um dos ambientes deverá ser necessariamente artificialmente frio, considerando-se ambiente artificialmente frio, o que for inferior, na primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a 15º, na quarta zona a 12º, e na quinta, sexta e sétima zonas a 10º.
(Fragmento extraído do PL 2363/11)
Em resumo, esse PL limitaria o direito aos intervalos durante o trabalho e ao adicional de insalubridade para trabalhadores de ambientes frios climatizados artificialmente.
O artigo 253 da CLT determina que, a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho, deve ser concedido intervalo de 20 minutos, caso o trabalho seja exercido em câmara frigorífica (que, como regra, apresentam temperaturas negativas) ou, na movimentação de mercadorias, de um ambiente artificialmente frio (entre 10 e 15℃, aproximadamente) para um ambiente quente e vice-versa.
Você poderia perguntar: o que levou a criação desse PL?
O PL foi criado com a justificativa de trazer “segurança jurídica quanto ao direito de pausa e da percepção do adicional de insalubridade”, importando assim, na redução do custo do trabalho e no aumento da produtividade.
Segundo o autor, a interpretação do Art. 253 sobre a aplicabilidade do repouso térmico seria controversa, tanto que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula 438, a qual estende, por aplicação analógica, o intervalo para o repouso térmico aos empregadores nas atividades desempenhadas em ambientes artificialmente frios, mesmo sem entrada e saída, como estabelece a lei.
Segundo o Deputado, a ausência de parâmetros objetivos que definissem o conceito de “trabalho em câmara frigorífica" e “trabalho de movimentação de mercadoria entre ambientes artificialmente frios e quentes, e vice-versa”, tem causado restrições à produtividade, além de gerar aumento do custo do trabalho, com desdobramentos em encargos e outras obrigações.
O Deputado cita, ainda, a necessidade de atualizar a referência técnica dos limites de tolerância ao frio, que, segundo ele, com o passar do tempo foram sendo estudadas e avaliadas no âmbito dos efeitos sobre a saúde do trabalhador.
Esses pontos deram origem às diversas demandas judiciais em relação ao tema, posicionando-se a Justiça do Trabalho pela ampliação da aplicação analógica da norma.
Para a Equipe iFacilita, caso o PL seja aprovado, os trabalhadores “poderiam” passar a trabalhar por um tempo prolongado em baixas temperaturas, sem nenhum tipo de pausa para recuperação psicofisiológica ou para recuperação térmica.
Mesmo com NR36 citando as pausas de recuperação, os trabalhadores poderiam trabalhar até 10 horas diárias, em ambientes com temperaturas de 4,5 a 5 ºC, sem nenhum tipo de intervalo de recuperação térmica; inclui-se aqui as mulheres grávidas!
Não vamos detalhar aqui, mas cabe citar os recentes “ataques” às normas técnicas que retiram parâmetros mínimos de proteção à segurança e a saúde dos trabalhadores que atuam em ambientes artificialmente frios, como a Nota Técnica (NT) de julho/2020 (em resposta à Medida Provisória - MP 927) e a NT de março/21 sobre o citado PL 2.363/11.
Vale citar aqui, para os menos avisados, que há uma vasta literatura comprovando que mesmo com o uso de roupas adequadas, os trabalhadores sentem frio, mesmo em temperaturas de até 10℃.
Vale citar aqui também que muitos outros fatores colaboram para o resfriamento corporal desses trabalhadores, além da temperatura do ambiente, como o uso da luva de aço anticorte ou o manuseio de produtos úmidos e frios (≤ 7 ºC).
Por fim, para a Equipe iFacilita, a aprovação do PL 2.363/11 trará uma clara redução de direitos dos trabalhadores que atuam em ambientes frios, trazendo novamente um crescimento das doenças ocupacionais e acidentes do trabalho nesse tipo de ambiente.
Como o iFacilita poderia te ajudar nesse cenário? O iFacilita consegue estratificar vários indicadores em relação às atividades ocorridas em ambientes frios climatizados artificialmente. Por exemplo: você conseguiria identificar o número de afastamento ou queixas ocasionadas em um determinado ambiente frio, ou numa determinada atividade de sangria, ou usando aquela faca específica.
Quer saber mais? Acesse o site
www.ifacilita.com.br.
Referências:
PL 2.363/2011
Agência Câmara de Notícias
Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho – AEAT
Norma Regulamentadora 36
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